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O tom dos blogues não é apenas uma procura na amálgama incerta onde antes havia géneros, compartimentos e identidades algo forçadas. Talvez tenha sido por isso que o Pedro escreveu: “Há blogues de que gosto especialmente porque não podiam ser artigos de jornal nem ensaios nem outra coisa que não um blogue”. Existe neste tipo de reconhecimento quase poético aquilo que, entre o mais emblemático Steiner e a omnipresença de Heidegger, terá levado Jorge Gonçalves a caracterizar o "tom" dos blogues: "Penso que aqui, como em grandes momentos das nossas vidas, não fazemos outra coisa senão lidar com "indefinições" e com o "não dito". Heidegger chamava a este pathos "a clara noite do nada". We have no more beginnings". Quando se escreve sistematicamente num blogue, pressente-se de facto que a escrita se torna numa espécie de vaivém fugaz que não é, nem da ordem do prazer, nem da ordem do desprazer. Parece antes submeter-se a um fluxo de actualizações, disperso e inorgânico por natureza, que pode conduzir ao mais imprevisível. A vontade e a liberdade voltam a encontrar-se neste interface público como se o desejo procurasse o seu próprio tabu. Paulo Gorjão exprimiu de modo claro esta curiosa encruzilhada: “A visibilidade leva a que o autor se proteja, se torne mais calculista naquilo que escreve. Em suma, as audiências tornam-nos menos «livres»”. A alteração profunda das relações entre auditórios e emissão, que a rede veio consagrar nos últimos anos, poderia relativar esta preocupação. Até porque o "tom" dos blogues não escapa à provisoriedade (as formas estão em estado de permanente subtracção e adição), à enunciação síncrona e plural, à estesia (simultaneidade entre a sinalização e a poiesis), à meta-contextualidade (as formas criam o seu próprio contexto, deixando de haver um “de fora” e “um de dentro” evidentes - ao contrário do que JPP deixa por vezes a entender), à reversibilidade (multimodalidade e coexistência de registos) e ao incorpóreo (no sentido de um agregado que não é motivado por um centro mas por vários). Seja como for, essa preocupação de fundo hermenêutico que pressente a extrema mobilidade da enunciação e dos públicos permanece. E permanecerá para sempre, provavelmente. Ao lado da procura de um "tom" que atravesse e supere as expressões excessivamente definidas (sujeitas ao império do logos) que marcaram a aventura moderna. Os blogues são uma minúscula embarcação, é verdade. Mas estão a criar um renovado horizonte que está para além da "confiança" tradicional dos e nos média (não deixa de ser sintomática a recente sondagem acerca do tema onde os média tradicionais e os blogues foram colocados lado a lado).