quarta-feira, 3 de maio de 2006

O "tom" dos blogues - 2

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O Paulo Querido citou um post do Miniscente da passada Quarta-feira sobre o que se poderia caracterizar como sendo o “fluxo do link” na blogosfera. No final da citação, o Paulo escrevia: “Luis Carmelo no - irritantemente pesado — Miniscente, via Ma-Shamba)”. Horas depois, no mesmo dia, este blogue reentraria nos bons augúrios do oceano on-line com profundas remodelações. Dir-se-ia que terá sido mesmo refundado pelo engenho e arte do João Nogueira. Também sei que este diálogo se transformou num diálogo a três, tal foi a natureza e a intensidade da coincidência.
No fundo, com toda a legitimidade, para Paulo Querido um blogue deve estar sobretudo preparado para a instantaneidade do ciber-olhar, isto é, deverá comportar-se como aquele bom anfitrião que cede ao visitante uma entrada meteórica e fulminante. Qualquer sobrecarga um tanto esteticizada, para esta concepção, confundir-se-á sempre com o anátema do “peso” e acabará por coincidir com uma espécie de inútil barroco. A questão faz lembrar o contraste entre a limpidez e o imediatismo dos textos proféticos originais (o primeiro Isaías, por exemplo) e a demorada talha dourada dos textos apocalípticos (de Daniel, por exemplo). Esta excessiva (em minha opinião) “poética do código” – a expressão é do João Nogueira – tende naturalmente a recusar a função do design e, por arrasto, a própria “poética da imagem”. Ou seja, sempre que ao lado da euforia transitiva aparece algum design (sobretudo com flash), o visitante saltaria de imediato para outro blogue, tal seria o tormento da demora.
Este tipo de “corrida” a que P. Querido fez clara referência (“irritantemente pesado”) faz parte de um mundo eminentemente instrumental – à neo-Dziga Vertov – que se alimenta da aparente contradição entre a tradição da poética de origem romântica e a tradição da funcionalidade própria da cultura material também moderna (este modo de pensar imagina que a herança do ‘logos’ e do ‘mito’ se excluem mutuamente).
Em minha opinião, o design é justamente um engenhoso interface de ambos os campos (a poética e a funcionalidade, ou, se se preferir, o campo do ‘logos’ e o campo do ‘mito’). E é óbvio que o Webdesign acabe por integrar o legado mais geral de génese oitocentista que foi fazendo do design, com o tempo, um pacto tácito entre a fúria da eficácia material e o desmedido eco da expressão estética. A ideia de que um surfista-modelo da blogosfera é uma espécie de catavento sem norte que vive apenas da instrumentalidade parece-me esquecer este pacto, ou melhor, esta natureza de interface que faz do design uma das virtualidades mais interessantes de toda a memória moderna (e, cada vez mais, da própria actualidade).
Ao fim e ao cabo, neste debate reflectem-se outras realidades bem distintas - e não apenas a da circulação entre blogues –, como por exemplo a dos objectos culturais e a da mobilidade off-line (entre muitas outras). Por mim, prefiro suspender o fluxo ininterrupto e ancorar entre objectos, locais e blogues que me repousem o sentido a entrar na cega catadupa que vive e carbura a partir de uma espécie de ‘não sentido’ muito em voga (os místicos medievais diziam que a vida era um “mero trânsito”: o sentido estava de facto ‘ailleurs’; contudo, para o imediatismo contemporâneo já não existe ‘o Outro lado de cima’ que antes conferia o sentido, mas tão-só o ímpeto instantanista que vive da simulação e das redes de preenchimento).
Ao espelho deste debate reluz ainda um jogo que parece querer reencenar diversas formas de “salvação”. De um lado, uma pulsão de morte que transpõe o antigo pathos veneziano à Visconti para os encantos da instantaneidade tecnológica; do outro lado, a recusa em fazer coincidir o “telos”, ou o fim último, com o presente dando-lhe portanto algum fôlego e alguma fruição. Entre ambos, sobreviverá uma terceira atitude que atravessa ambas e que se revê no compromisso hábil e inteligente do design: usabilidade mais arte qb. E embora haja proximidades conhecidas e mitológicas entre o amor e a morte, eu sempre prefiro a pausa do desejo à metáfora da morte imediata e fulminante, o que não quer dizer que não aprecie uma boa pega de toiros.