segunda-feira, 29 de maio de 2006

O “tom” dos blogues – 19

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Nada de complicar: os blogues somos nós mesmos. Nos blogues, há vozes, há corpos que se movem, há coisas que se dizem e há sobretudo a enunciação de um fôlego bastante variado que percorre o novo organismo (não orgânico) da rede.
O que torna os blogues num painel de análise fascinante e complexo é o facto de, neste novíssimo dispositivo, os pontos de vista se deslocarem de maneira incessante, independentemente das nossas escolhas (como se as bocas de cena de muitos teatros se sobrepusessem e nós fôssemos, ao mesmo tempo, actores, encenadores, pontos, cenógrafos e espectadores). Esta mobilidade é verificável em qualquer blogue, devido sobretudo à infindável circulação de dados, mas também à recontextualização ininterrupta que é própria do meio.
É verdade que o fluxo global de imagens - em termos mais gerais - tende a escapar à interpretação, pelo simples facto de ser particularmente difícil adaptar as ferramentas verbais tradicionais à cadeia ininterrupta que aparece em tempo real nos terminais digitais do nosso dia a dia (e que são extensões ou próteses do corpo: na publicidade, nos objectos estéticos ou da cultura material e em todo o design do mundo).
O mesmo acontece, à sua escala, nos blogues: a uma nova realidade criada, estão-se na actualidade a adaptar, em tempo record, escritas específicas e formas de interpretação adequadas. Eis a razão por que a procura expressiva que acontece diariamente na blogosfera (o “tom”) se está a desenvolver quer a nível do texto, quer ainda - numa segunda vaga bem mais lenta - a nível do metatexto.
Na rede nada culmina e tudo se processa, já que nela não existem pontos nevrálgicos ou zonas de clímax. O que surge, logo se remove e reconverte. A narrativa criada pelos blogues – e por outros processos de micro-narrativa em rede - é um tipo de narrativa que, talvez pela primeira vez, não necessita de uma retórica baseada em analepses e prolepses (flash-backs e antecipações): o que conta é o registo que acompanha a mais pura imobilização do instante. O que cativa é a duração, a iminência imediata, o 'estar lá'. É como se o oceano blogosférico fosse composto por âncoras móveis que saltam de interface em interface, associando sempre o heterogéneo ao heterogéneo. É como se, em Faulkner, Caddy fosse sempre Quentin e Quentin fosse sempre Caddy: um puro jogo de simultânea pertença e inscrição.
Com os blogues, está-se hoje a assistir a uma revolução silenciosa mas profunda dos tipos expressivos e das suas gramáticas. Apesar da rapidez das mudanças que se operam no mundo, a verdade é que esta imensa ruptura comunicacional só virá a ser devidamente entendida daqui a alguns anos, tal é a sua singularíssima fertilidade (basta lembrar que, em todo o planeta, se estão a criar 80.000 blogues por dia!).