quarta-feira, 15 de março de 2006

O gafanhoto espiritual

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Vicente Jorge Silva escreve hoje uma carta aberta a Augusto Santos Silva no DN. Depois de muito rodriguinho e da expressão do repetido apreço pessoal (uma lusitana 'concordância parcial' a ressoar a tédio), vem o anúncio das discordâncias que contrapõe uma regulação dos média "acima de toda a suspeita" a uma regulação onde abundam adjectivos como "opaco", "dúbio" e "obscuro". No fundo, não é a regulação que separa ambos os contendores mas tão-só o cozinhado, a culinária e a maior ou menor vivacidade dos ingredientes. Termina do seguinte modo esta carta aberta:
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"Recordar-te-ás que, quando estive contigo no parlamento, tentei promover sem sucesso um amplo debate no PS sobre as relações entre o poder político e o poder mediático. A incompreensão e o cinismo acabaram por prevalecer, confortando as velhas convicções de que os "bons jornalistas" são aqueles que são politicamente dóceis para nós e agressivos para os demais."
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Mais valia Vicente Jorge Silva ter respirado fundo ao fim de uma destas tardes solares em vez de ter perdido o seu tempo a escrever este trecho de inspiração tão ingénua. Mesmo que a sua passagem pela política partidária tivesse sido meteórica, não era já tempo para ter compreendido o funcionamento da feira? Creio sinceramente que sim.
Umberto Eco disse um dia que um dos modos de comunicação a que mais habitualmente recorremos é a ostensão ("amostra"): estou na esplanada, levanto a garrafa, ostento-a e o empregado já sabe o que eu quero. Este pequeno espaço do DN de hoje é mais uma ostensão. Gesto parecido com aquele que os cozinheiros da actual "ERC" andam a repetir há semanas, desde que passaram a acenar única e exclusivamente na direcção do segredo, do recato e - sejamos sinceros - da idiotice. Afinal, todos entendemos o jogo que a si próprio exageradamente se denuncia.
Amplo debate entre poder político e mediático no nosso tempo? Seria mais fácil um gafanhoto transformar-se em Santa Teresa de Ávila.