terça-feira, 14 de fevereiro de 2006

"Como se"

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O ensaísta Julio Díaz Galán escreveu (curiosamente num artigo sobre o diabo, "A vueltas con el diablo", 2001) que o triunfo do nacional-catolicismo em Espanha após a Guerra Civil (1936-1939) "consistia basicamente em formar cristãos do tipo como se. Não acreditavam em Deus, mas actuavam como se. Mesmo entre os ateus era - e é ainda - normal este actuar como se."
O modo como grande parte do Ocidente está a reagir às sucessivas revelações de Ahmadinejad também denota uma estranha postura do tipo como se.
Não há artigo de jornal que não sublinhe a importância da dissensão enquanto entendimento civilizado do diverso no espaço público. Não há cronista que ponha em causa o significado da liberdade e da democracia que nesta área do planeta foi sendo criado e conquistado ao longo dos últimos três séculos.
Mas quando se trata de reagir ao novo arauto do califado global, Ahmadinejad, a tendência correcta é a de imediatamente o encarar como se ele fosse mais um dos nossos. Par entre pares. Como se a culpa da "demonização do mundo" fosse sempre e só do Ocidente. Como se a defesa dos princípios que ainda cimentam o Ocidente - vivemos num universo pós-ético - dependesse agora do ruído manipulador do novo arauto.
O Ocidente está a transformar-se num bizarro 'faz de conta': como se John Locke, Voltaire ou Berlin nunca tivessem existido. Torna-se até difícil averiguar o que hoje terá mais peso: se a amnésia colectiva e hipertecnológica, se a desintegração do acumulado desejo de liberdade num oceano onde tudo volta de novo a ser possível. Até a barbárie. Como se.