sábado, 7 de janeiro de 2006

Roth e os 500 anos do Progrom de Lisboa

r
Acabei de ler o último romance de Philip Roth. A conspiração contra a América (2004; tradução na D. Quixote, 2005) relata a ficcionada vitória eleitoral do aviador Charles Lindbergh sobre Roosevelt, em 1940, baseada num programa político pretensamente pacífico e declaradamente anti-semítico que recusa a entrada dos EUA na guerra em curso na Europa. A assimilação e a mobilidade forçadas de crianças e famílias judias americanas – com a complacência romanesca de um imaginado Rabi Bengelsdorf, casado aliás com a tia do narrador, Mrs. Evelyn – arrasta a América para o espectro do Progrom (apesar das resistências pontuais, como a do jornalista e candidato presidencial Walter Winchell). Quando, já na parte final do romance – em Outubro de 1942 -, o presidente Lindbergh desaparece no avião que costumava pilotar sozinho, o espectro do Progrom ganha força real e apenas acaba por ser travado com a queda em desgraça do presidente interino que o sucede, Wheeler. Em Dezembro desse mesmo ano acontece Pearl Harbor e já Roosevelt, entretanto, venceu as eleições que sucedem ao período ficcionalizado por Roth. A partir daí, a história real passa a confundir-se com a que tacitamente se pressupõe até ao início do livro, em Junho de 1940.
A conspiração contra a América não é um romance linear. As sequências são narradas quase sempre por uma criança, o próprio Philip (que projecta nos pais toda a força do sentido), e envolve-se no mundo detalhado e documentadíssimo da época – nem sempre com ritmo verosimilhante, diga-se - e sobretudo nos microcosmos de Alvin e Sandy (primo e irmão do narrador), capazes, um e outro, de cruzar destinos muito diversos e opostos. Não é um romance poético, nem um texto cujo desígnio plástico se torne cativante (as pressões internas e contrárias que constróem os personagens não bastam para adensar esse aspecto). O teor clássico de Roth é ilustrado, neste seu romance, pelo domínio exímio dos materiais e também pela concatenação dos imensos factos e das muitas pequenas histórias que insuflam e animam a consistência e o interesse óbvio do argumento. Não creio que este livro constitua uma criação de excelência que transcenda a exiguidade do nosso “Parque Mayer” imaginativo, nem tão-pouco um livro que tenha deixado o tempo de leitura ao lema de mal amado. Mas ficou, sinceramente, aquém das expectativas que o tema, por si só, poderia – e pode - criar no leitor mais desprevenido. Até porque o anti-semitismo continua infelizmente na moda: 2006 é, afinal, o ano em que se comemoram cinco séculos do sempre silenciado Progrom de Lisboa. Para quando uma resposta, ou um aceno breve que seja, a uma micro-causa sobre o assunto que aqui lancei já por duas vezes?