A poesia portuguesa dos últimos anos, em vez de exceder-se para tentar referenciar o mundo (ao constituir-se como diamante das 'grandes narrativas' tradicionais), passou antes a tentar encontrar formas de sentido mínimas: estilhaços recortados do dia a dia com um realismo próprio dos primeiros tempos do cinematógrafo, onde o fundamental foi, ao mesmo tempo, perceber e fazer agigantar os actos minúsculos do quotidiano que subitamente se libertavam da hipecodificação secular do olhar. Essa épica original do cinematógrafo corresponde, nos nossos dias (e no caso da poesia), a um perfil quase subterrâneo, fugaz e apenas iluminado pelo sigilo. Um recato que passa despercebido no fluxo ininterrupto de imagens globais, mas que, às vezes, o sinaliza de modo abismado e mesmo grandioso.