terça-feira, 11 de outubro de 2005

Jornalismo, blogues e comunicação (actualizado)
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Os blogues criam diariamente milhões de conteúdos e fazem-no através daquilo que é a sua característica primordial: o saber estar na rede. Os “links”, as pontes entre discursos, a partilha inorgânica entre dados sempre citados e a própria propagação metonímica de textos que recobrem a comunidade (cada vez mais globalizada) são exemplo dessa atitude expressiva.
Os média tradicionais, de modo diverso do que acontece com o discurso publicitário e com as “RP” em geral, mantêm e tudo fazem, ainda que involuntariamente, para preservar um tipo de representação baseada sobretudo no fechamento (relação estrita entre fontes variadas e impressão) e, por isso, dissociado do imaginário da rede. A própria extensão dos média tradicionais aos meios “on-line” confirma essa tendência conservadora, na medida em que os conteúdos aí agenciados dispensam geralmente os “links” e acabam por assumir-se como atributos, marcas indexicais ou simples “suplementos” do suporte em papel.
José Pacheco Pereira tem denunciado sistematicamente estes factos, embora projectando nos média tradicionais um dever ser que não é, portanto, o da sua genuína codificação. Imaginar os jornalistas a agir como os “bloggers” agem, ou seja, de um modo aberto e multimodal, no coração da rede, era, de algum modo, imaginar a morte da própria ideia (moderna) de jornalista. Imaginá-lo pressuporia um nivelamento da iniciativa diária e profissional dos jornalistas com os mais anónimos nós que constituem a rede. Imaginá-lo pressuporia uma menor visibilidade do seu próprio juízo deontológico e, portanto, da auto-referencialidade activa que lhes é particularmente inerente. Imaginá-lo pressuporia uma menor presunção do seu papel de tradutores exclusivos das meta-ocorrências (que constróem mundo) perante o grande público.
Exigir aos jornalistas uma natureza que não é a sua é legítimo, mas talvez não seja tão profícuo quanto se possa crer. No fundo, a verdade é que a comunicação não é apenas um vínculo estrito dos jornalistas (é esse o pensamento falacioso dos muitos jornalistas que são chamados às escolas de comunicação para os estágios práticos de fim de curso). A própria – e recente – tradição da epistemologia comunicacional (de que sou, simultaneamente, praticante e crítico) o demonstra, já que as saídas práticas das licenciaturas aí apontam, para além do clássico jornalismo, para o multimédia, para as relações públicas, para o marketing, para a investigação e para outras dimensões variáveis que colocam em evidência a proximidade entre a cultura material e os novos mitos hipertecnológicos do globário. A comunicação está, pois, muito para além do jornalismo e seria um erro imputar-lhe uma espécie de pesada mono-referencialidade. Se existe alguma ética e algum dever ser na comunicação contemporânea, ela não é com toda a certeza uma anfitriã exclusiva e sedentária das redacções dos jornais. É o que estamos, também, no dia a dia, a aprender humildemente nos blogues.
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P.S. - Acerca da última das micro-causas, que se prende com a assimétrica relação entre blogues e os média tradicionais (neste caso, o Público), convém informar que hoje mesmo, às 23.30h., no programa "Clube dos Jornalistas" (RTP-2), o director do jornal, José Manuel Fernandes, irá finalmente abordar o modo como foram noticiadas "as circunstâncias do regresso de Fátima Felgueiras a Portugal". A ver. E a saborear o inevitável cruzamento de linhas de fuga entre meios comunicacionais díspares.