Commedia dell'arte
Como se sabe, os militares sublevaram-se contra o governo de Marcelo Caetano por razões que não eram de imediato pendor político. Todos nos lembramos disso (embora, em certos sectores, o subtexto político obviamente existisse).
Depois de Abril de 1974, as opções políticas dos vários MFAs acabaram por fundir-se quase capilarmente com a revolução. De algum modo, até meados dos anos 80, as forças armadas moldaram a própria metamorfose por que passou a fragilidade portuguesa. Daí a grande adequação referencial entre a tropa e o singular destino do país que foi vivida durante essa década, ou seja, entre meados de setenta e de oitenta (facto que enfatizou as fracturas do sistema político de então: Sá Carneiro versus partidários do chamado “Conselho da Revolução”).
Definitivamente exiladas no seu fecundo lugar de servidoras da democracia na era pós-guerra fria, as forças armadas portuguesas sentiram dificuldade em reencontrar um formato que se adequasse às novas realidades, exigências e funções. Daí a progressiva inadequação referencial que, até há vinte anos atrás, foi tão notória (e que tem sido traduzida por alguns comentadores, nos tempos que correm, como “perda de prestígio junto da opinião pública nacional”). Essa dificuldade - no fundo, uma dificuldade de compreensão de sentido -, tem estado na base da recente permeabilidade de alguns sectores militares a um estranho comportamento de natureza sindical.
Esta semana, a original veia protestatária das forças armadas portuguesas irá invadir as ruas com a assinatura das mulheres dos militares (num tempo em que as mulheres são já um património normal das casernas). É difícil caracterizar o que irá estar em causa nessas manifestações. Mas uma coisa é certa: não é a commedia dell'arte que irá prestigiar a democracia e a função específica das suas forças armadas.