Quotidianos - 1
Entro na Conservatória, retiro a senha (o número 41 não augura nada de bom) e sento-me à espera da minha vez. Olho em frente e é então que vejo ao vivo o livro de José Gil, na mesma proporção e com a mesmíssima falha que as páginas do filósofo revelam: ausência de método. Isto é, encaro aqueles rostos lusitanos entediados, fartos, saturadíssimos, diria mesmo: para além de melancólicos.
Uma sombra ancestral atravessa quem atende e quem é atendido. Mas trata-se de uma mancha amarga, imensamente padecida, vinda das profundezas da terra. E é assim até que chega a minha vez. Embora o “Guia de Levantamento” já tenha a provecta idade de três semanas, a verdade é que os meus documentos ainda não estão prontos. O rosto da funcionária espelha as caves de Poe. O número 41 celebra este momento ímpar. Podia ter sido o 40, tanto fazia.