terça-feira, 24 de maio de 2005

O OLHO DO JAVALI
Folhetim em doze episódios
SÉTIMO EPISÓDIO
(O mistério das chaves)

Terra de cumes e raros abetos. Para baixo, terá ficado a floresta e o primeiro leque de grandes subidas, escaladas sem fim. Memórias antigas da calote polar, glaciares, picos de morte. E aqui, neste ermo quase topo do imenso desfiladeiro, só já sobra a imensa estrela da tarde que parece querer descer para tocar com fio de seda no solitário tecto do globo. Terra de alpinistas e de rajadas frias, de erva rara, de fugas longínquas e evasões perdidas no tempo. Maia agarrada ao volante, a tentar acompanhar os ângulos quase rasos que descrevem as curvas e as contracurvas. E a escuridão a apear-se na narração da viagem, o destino do misterioso itinerário a retrair-se ante a aridez e o desmedido abandono. No cabo do espanto, no momento em que Rui levantou os olhos para a ponta da cumeada, para o extremo aguçado dos granitos já em ebulição de noite, uma enorme ave de rapina apareceu a sobrevoar. E o raio verde estendeu-se, nesse momento, ao longo da crista da serra, da cordilheira, dobrou os céus de um lado ao outro e acabou por cruzar-se com o recato do Mobilin 2000 - blue midnight. E Maia a confessar:

- Isto dos papéis continua a intrigar-me. - Rui sorriu como se detivesse, quase por passo de mágica, a solução entre mãos:
- Repare, o título de propriedade e o livrete que eu entreguei na repartição eram já segundas vias, o que é normal. Agora o que tenho aqui são estes... talões. Há sempre um tempo de espera nisto da papelada. Por isso é que os seus são da primeira via... precisamente os que ele deve ter declarado, a certa altura, que teria perdido. Pura mentira.
- E as chaves ?


Próximo Episódio: “De facto, hoje, nem devia ter sido eu a levar as amostras de sangue. Não era o meu dia. E é raro não haver um carro do serviço à disposição. Por que me terá ele dado este carro, porquê ?”