segunda-feira, 11 de abril de 2005

Maya Gordon: uma história singular


A minha amiga Maya Gordon, uma pintora judia polaca residente em Amesterdão, tem finalmente um site. Poderão visitá-lo aqui. Vale a pena. Contudo, a história de Maya dava um romance. Vou contar um bocadinho dessa aventura.
No pós-guerra, não terão sido poucos os judeus que decidiram (voltar a) fixar-se na Polónia. Por crença, por regresso às raízes, por determinação pessoal. O pai da Maya Gordon, um engenheiro de alto nível (chegou a participar em projectos ligados à concepção aeronáutica de ponta), foi um desses homens. Preferiu o destino polaco ao celebrado desígnio utópico da fundação de Israel. Opções pessoais da época.
A partir de meados dos anos cinquenta, quando nada aparentemente o fazia prever, a não ser um certa descontinuidade nas altas taxas de crescimento económico, o partido comunista polaco iniciou uma sistemática e empenhada campanha anti-semita. Nessa onda, muitos judeus veriam os seus empregos ameaçados. Por volta de 1955/7, muitos foram mesmo, directa ou indirectamente, forçados a abandonar a Polónia. A família da Maya Gordon integrou um desses grupos, mais precisamente em 1957, numa viagem de sete dias e sete noites em que nenhum dos passageiros pôde sequer sair do comboio entre Varsóvia e Génova.
A memória de menina leva Maya hoje a insistir na palavra “histeria” para traduzir o desespero daquela viagem e daquele êxodo forçado e silenciado pela história. Em Génova, após vários dias de espera, um barco haveria de levar todas essas famílias para um improvisado campo em Israel. A guerra da independência e o holocausto eram ainda memórias relativamente recentes. O novo país levantava-se a pouco e pouco com coragem. Até voltar ao nomadismo que a traria à Itália e à Holanda, a Maya Gordon viveu, de 1957 até ao fim dos anos sessenta, num país que se tornou subitamente o seu. Muito do seu trabalho plástico evoca estas rupturas, este caminhar entre lugares e topografias reais e imaginárias. Mas a grande viagem, a que escapou ao sentido de escolha da vida, essa, permaneceu ilesa à memória partilhada. Até hoje.