“Terrorismo de estado”, que realidade?
Vamos por partes. Perguntemos, em primeiro lugar, do que falamos quando falamos de terrorismo, no território da Palestina?
Creio que estamos a falar sobretudo de uma actividade que preza pelo anonimato e pela auto-flagelação suicidária dos autores materiais que a praticam. Creio que estamos a falar de uma actividade que estimula um tipo de violência com efeitos drásticos e alvos, ao invés de selectivos, completamente desconcertantes (anónimos, estudantes, transeuntes, passageiros, etc.). Creio que estamos a falar de um actividade que pretende instalar uma alteração súbita e alarmante no estado de coisas, sem ter em conta os meios e os propósitos. Creio que estamos a falar de uma intensidade gratuita em que o terror remete para próprio terror, sem que se constitua, ele mesmo, como sintoma real de uma causa explícita. Creio, por fim, que estamos a falar de uma actividade que é tudo menos a expressão e a emanação (ainda que defensiva) de um estado livre e democrático.
E tudo isto, em segundo lugar, sem pôr minimamente em causa o legítimo direito dos palestinos a uma terra e a um estado.
Em terceiro lugar, diria que é devido a esta série de ponderações que a expressão “terrorismo de estado” me parece, de facto, constituir uma designação completamente falaciosa no caso concreto em que é utilizado: o de Israel (apesar de se poder discordar, o que é legítimo, da nevropática governação de Sharon). A expressão “terrorismo de estado” é própria de quem vê apenas com um olho o mundo à sua volta. Com dois olhos bem abertos, sabemos todos que houve terrorismo de estado no caso da URSS e que ainda existe hoje no caso da Coreia do Norte. Como houve no Chile e na Argentina das ditaduras militares. E em todos os fascismos. Nas últimas horas - i.e., no momento da agonia política de Arafat -, a expressão “terrorismo de estado” está a vulgarizar-se, a banalizar-se e a perder intencionalmente o sentido, quando todos sabemos o que ela realmente imputa. O uso dessa expressão está já a tornar-se num recorrente lugar-comum e não pode deixar de traduzir, directa ou indirectamente, aquilo que é uma infeliz e indelével marca dos novos anti-semitismos.
Iria mesmo mais longe: o objectivo do terrorismo é puramente aniquilar e tem como ponto de partida, neste caso concreto, a não aceitação radical da própria existência do estado de Israel. Esse objectivo é servido por bombas, mas também por expressões deliberadamente vulgarizadas, trivializadas, repetidas até à exaustão e transformadas em arma conotativa de tal modo que, de tantas vezes repetidas, acabam por criar o simulacro de uma verdade. Uma verdade enganadora, intolerante e mesmo letal.