Os nossos cronistas
Os nossos principais cronistas encarnam muitas vezes o personagem Martin que Voltaire criou para explicar a Cândido que os gaviões e os homens jamais mudam de carácter. São pedagogos à sua maneira, enchem três a cinco colunas num jornal diário para defender um único ponto de vista, mas sempre com o intuito de fazer crer, ou de conquistar a alma do leitor para a sua própria navegação.
Existe um único cronista que não tem preocupações dessas, até porque nada o transborda de afectos. Com duas breves colunas apenas diz o que tem a dizer, breve e escorreito, e sobrepõe sempre dois registos: um intelectualizado, às vezes geometricamente histórico-científico (ou, pelo menos, querendo vincular-se nessa legitimação por mérito próprio), um outro rebuscado na voz do povo corrente, na oralidade mais elementar, no diz-se diz-se que sabiamente intercala no meio de frases, mas com uma demarcação que traduz por aspas (palavras como “canalha”, “indígena”, “populaça”, etc. aparecem assim como oriundas doutro mundo).
É de um sincretismo com esteio amargo e rédea curtíssima que este último tipo de crónica vive. E por isso contrasta profundamente com a afectividade apologista, pegajosa e demoradamente analítica que se confunde, ao fim e ao cabo, com o estilo maioritário dos nossos cronistas.
Nomes às coisas? Para quê?