Os círculos
Escreve-se hoje no Abrupto:
"Tenho repetido à saciedade que existe um efeito de Big Brother nas políticas em democracia: tudo o que é importante não se vê, ao mesmo tempo que as pessoas têm a ilusão que sabem de tudo, em directo e a cores".
Concordo plenamente com o facto e sobretudo com as ilações. Mas, caro José Pacheco Pereira, dentro da compulsão quase natural do sistema político essas coisas não se podem dizer, pelo menos desse modo, pois não?
Existe uma margem de reflexão que escapa, ou que se contém irremediavelmente, quando o exercício do poder atravessa a enunciação dos mundos de quem escreve. Existe, de facto, um estar fora do círculo e um estar por dentro desse mesmo círculo. Que é o do poder, directo, real, exercido. O poder não é uma ferramenta pejorativa ou artificiosa, mas acaba sempre por ditar ou condicionar a medida e o momento em que a palavra é materializada em discurso.
E isso é pura verdade, apesar da frontalidade que demonstrou no flash-back dos tempos da reeleição de Cavaco Silva, apesar do carácter incisivo que patenteou durante a direcção lisboeta do PSD e apesar do mais recente inconformismo que nunca escondeu no seio do Parlamento Europeu. E ainda, já agora, apesar da dignidade que evidenciou no (sintomaticamente pouco falado) caso Unesco. Numa escala muitíssimo mais pequena, sei muito bem do que falo. A dissimulação entretece o dizer da política, enquanto a discrição - e tão-só a discrição - entretece o poder autónomo e corrosivamente livre da palavra.