Ficcionalidades de prata – 48
(Ide Collar, Paul Outerbridge, 1922)
O objecto dissociado do seu acontecer prático remete-nos para o que fomos aprendendo secularmente a significar por poética. Nesta medida, o objecto diz sempre outras coisas que não ele mesmo, mas traz, igualmente, na sua presença, algo de adquirido e de acolhido que desmistifica o carácter habitual de coisa que, no dia a dia, lhe é atribuído. Quer isto dizer que o objecto aponta sobretudo para si próprio e faz disso o ponto de honra do seu instituir-se. Esta descoisificação, esta desnudez súbita, este pôr-se em causa quase consumado avassala a significação mais rotineira e denotativa e acaba por colocar o objecto numa perspectiva que supera a narração (as suas implicações funcionais no tempo) e a descrição (as suas interacções previsíveis no espaço). É esta a enseada que se abre para a poética. Paul Outerbridge tomou o pulso a este propósito nobre e fez aparecer na imagem dois factos que se desconheceriam, não fosse a cadeia de analogias que nos permite coisificar e descoisificar ao mesmo tempo. E é nessa vertigem em movimento e em catadupa que a poética invade a enseada de onde olhamos e de onde transfiguramos o olhar que emanamos.