quinta-feira, 19 de agosto de 2004

Ficcionalidades de prata – 42


(Spring Song - Solange Gauthier, Yousuf Karsh, 1938)

Com um braço tacteia o horizonte, com o outro hasteia a árvore e com a tentação do corpo relata a excessiva omissão, a elipse, o coração da dança. Resvala sobre o ovo de pedra, sobre as nuvens subterrâneas, sobre o magma de seda. Há-de um dia reencontrar-se sob a forma de oceano fulgurante, reflectida no destino da via láctea. E há-de aparecer com os cabelos envolvidos por ondas que deles se desprendem e enovelam até à folhagem, ao fundo, onde, de novo, ressurgirá de braços abertos como se dançasse. Imagem sobre imagem, breve, içando a transparência do corpo até ao veio das estrelas. Assim a vejo e revejo a cotejar os ofícios da dança, com gestos demorados a confessarem a tremenda falta que o corpo sente da terra e que a terra sente do corpo: saudade, exclusão, omissão, elipse, o perpétuo coração da dança. Por enquanto, é apenas figura, ilação da luz, lume cristalizado, brancura. O horizonte como logro, a árvore como devaneio, a tentação como pura lisonja do corpo.