segunda-feira, 16 de agosto de 2004

Ficcionalidades de prata - 33


(Etang de Corot, Ville-d'Avray, Eugène Atget, ca. 1900-1910)

Nem sempre a descrição é alma gémea da observação. Pode fixar-se o campo, pode rasgar-se um perímetro, pode delinear-se a face que se contempla, mas nem sempre isso conduz à ideia do espaço observado ou à súmula ideal do que se vê. Muitas vezes, a agilidade e a elasticidade do que se apresenta aos nossos olhos parece sobrepor-se à representação e, por isso mesmo, a atenção deixa de se opor à observação do mesmo modo que o inventário deixa de se opor à descrição. O exercício surge assim subitamente a nu como se não existissem regras a manipular os lances e as texturas que dão ao barco de Eugène Atget a natureza de objecto admirado. Essa manobra quase impossível, essa passagem pelo estreito que coloca frente a frente a imaginação e a plasticidade, esse pas de deux que bruscamente dissolve modos fixos de ver é, com toda a certeza, obra de génio. Devemos apreciá-la. Ramo a ramo, folha a folha, linha a linha.