domingo, 15 de agosto de 2004

Ficcionalidades de prata – 31


(Street Scene, London, Bill Brandt, 1936)

Move-se na sombra como quem não distingue o ceptro do relâmpago. Aproxima-se dos que paulatinamente passam por si, para que a sua cegueira saiba distinguir o palpável do quimérico. Negoceia sem armas na mão, já que o volume de gigante lhe vale dotes de tempestade. E, depois, uma nuvem balbucia no olhar de quem lhe faz frente, é sempre assim. A certa altura, a fixidez é tal que as pestanas quase congelam e as pálpebras renascem do medo como se se estriassem em forma de cúpula. Tocam sinos ao longe, parece, enquanto os poros se eriçam e a memória faz eco do alarde interminável. Mais do que um terrível susto, ou do que um puro assombro, é o peso do outro. O outro. O túnel, o metropolitano, as galerias funestas, ou o imenso vale escuro sem qualquer saída. O olhar diante do olhar. O corpo apagado, desfeito, liquefeito na sombra. Entre a infinita submissão ao ceptro e o medo de um céu mitológico pejado de relâmpagos.