domingo, 15 de agosto de 2004

Ficcionalidades de prata - 29


(C. Felton como seu chapéu e casaco, John A.Whipple, ca. 1850)

O díptico reflecte como nada mais a estrutura do cérebro. Mas o que se impõe nesse crivo de circunvalações binárias é sobretudo o trânsito e não tanto o esquematismo da divisão. E o que circula nesse dédalo luminoso são imagens que não apenas desenham a consciência como dão a ver, através dos seu próprio álibi e ardil, o que resta do vasto puzzle que navega e que se processa, a todo o momento, entre a mente e a rede exterior de objectos. Regressando à parábola e deixando o relato de fundo: de um lado, vemos o senhor Felton, um académico romântico de Harvard, e, do outro, o gesto aventuroso e breve que prenuncia o habitual passeio dos justos. Entre fontes de água fresca, ruínas aduladas e ocasos grandiosos antes do regresso aos clássicos, no recato da fogueira de mármore. E toda esta cena diária parece aqui hesitar, na rápida travessia que suscita entre escorço de pose e ostensão fugaz. Lado a lado, de modo intermitente, piscando o relato de fundo e a parábola que o ilumina de forma quase simétrica. Como se a imagem trocasse o lugar pela figura e a figura pelo lugar, sem que sequer o soubéssemos.