domingo, 15 de agosto de 2004

Ficcionalidades de prata - 28


(Two Nudes Standing, Félix-Jacques-Antoine Moulin, ca. 1850)

O resplendor da talha, o brilho da luz e o enquadramento obscurecido relatam a mesma frase, a mesma cadência, a mesma sinuosidade. Há, de facto, um desvio no riscado com que a cena escapa à superfície. Daí que o calor dos corpos enlace o olhar que se dirige à fotografia como se aquele praticasse uma incisão e este uma infrutífera devoração. Dir-se-ia que estamos diante de duas estrelas aparentemente próximas e, no entanto, a gravitarem em universos distintos. Terá sido sempre assim com estes dois nus: a escuridão da superfície recorta-se a si própria e delega o vaivém da perspectiva algures na aura que se vai perdendo no exterior do jogo. A este tipo de encenação deverá chamar-se tentação. E é justamente o que permanece naquela concordância doce e distante. Tortuosidade, rodeio, contraste descomedido: são as pernas que se escondem uma na outra, a cabeça amortecida ou delicadamente deitada e os quadris em liquidez rumorejada. Nada mais, a não ser a quase ausência das mãos.