quinta-feira, 12 de agosto de 2004

Ficcionalidades de prata -10


(Belgravia, Bill Brandt, 1951)

Lembro-me de ter voado diante daquela janela. Acordava cedo com o sol e rasava asas ao longo do vidro por onde entrava a primeira luz. Vi-a tantas vezes deitada no interior do rio que escorria pelo soalho e, em ambos os lados, naquela invisibilidade feita de águas, havia sempre um corpo a transbordar. Bebia-o, saciava-o repentinamente nas tardes de verão e, depois, voltava a partir na demanda do mesmo mel. Partia, é certo, mas ficava, ao mesmo tempo, por dentro a contemplar o céu e a fachada obscura e esfíngica que transformava o espaço na frugalidade da vista que me era dada ver. Asas de abelha e deleite esboçados na impenetrável âncora do tempo. Lembro como se fosse hoje, ou não fosse essa comparação quase ténue o nome da própria fotogenia.