quinta-feira, 17 de junho de 2004

Tentação

Raramente me deito antes das duas da manhã. Adoro pisar a hora limite como se houvesse um perímetro qualquer a desafiar. Olho então para a fixidez dos objectos e para o rigor filigrânico das arquitecturas e da paisagem. Tudo imóvel e a vontade de perpetuar a instalar-se no olhar como tentação irresistível. É por isso que as imagens que fazem aparecer a consciência nunca chegam a tempo. Precisamente porque erram entre o ter sido em que vivemos - chamemos-lhe memória alargada - e a descoberta admirada do que possam representar agora e aqui. O porvir é o reino que liga este condensado de tentações e aquilo que está por vir diante de nós, diante da vida. Neste momento, apenas sei que existe a noite ainda por vir (esta divagação faz-me lembrar o romance do Christian Bobin, La femme à venir).