quinta-feira, 29 de abril de 2004

Nudez



Uma vez fui a casa do Vergílio Ferreira e ele tinha acabado de pousar à sua frente uma prancheta coberta de folhas minusculamente desenhadas pelo seu escrupuloso alfabeto de lupa. Já não sei do que falávamos, mas lembro-me da suspensão súbita e da frase quase conclusiva: - No início vamos por todos os caminhos, pelo emaranhado, mas, depois, há uma selecção que vem ter connosco e que se impõe misteriosamente. Foram mais ou menos estas as suas palavras. Havia qualquer coisa de inviolável em Vergílio Ferreira. Uma frescura embevecida pela escolha que o encontrou, tantas vezes com humor, na pele de homem que ainda acreditava na literatura ao nível dos grandes marcos da espécie. Uma súbita e deslocada saudade. E assim se confessa, admirado consigo mesmo, um dos tempos da intimidade que se esvai, dia a dia, no esfumado e instantâneo tempo dos blogues.