domingo, 14 de março de 2004

Sinais claros do mundo actual



Tal como a sida, a meados de oitenta, veio acabar com uma sociedade hedonista que reatava a errância dos sixties associada a um halo pós-moderno, também o hiper-terrorismo de escala (11-S e 11-M) veio acabar com uma sociedade que tinha aliado, nos anos noventa, o optimismo do globário tecnológico à superação positiva da guerra fria (facto que eu realcei em dois ensaios meus, nomeadamente, Anjos e Meteoros e Órbitas da Modernidade). Sei que algum grau de hipérbole apenas realça a verdade essencial dos factos.
Hoje em dia, o fim do deslumbramento e a nostalgia da felicidade confundem-se com a formação de novos horizontes de compreensão que se estão a formar, a pouco e pouco, visando enfrentar e enquadrar o que se está a passar à nossa volta (no fundo, um novo tipo de guerra mundial). A nova errância - ou a nova procura -, mais lenta na Europa, mais célere nos EUA, processa-se já num universo de objectos massificados e mediatizados e tende, quer os políticos queiram quer não, para uma tácita ausência de objectivos.
Ao ocidente resta, nesta fase, a reinvenção da democracia e a obsessiva defesa da liberdade, sabendo afastar-se, ao mesmo tempo, da chamada política-fortaleza. Numa palavra, é este o cunho - em parte defensivo - que começa a marcar o desígnio histórico do alvor do século XXI, ou, pelo menos, da sua primeira década.
Até porque o terrorismo deixou de visar as arquitecturas fáticas, simbólicas e securitárias do ocidente e passou a ter como alvo as pessoas. Apenas as pessoas. Massiva e encenadamente, e com uma frieza radical. A esta macro-engenharia da morte devemos todos responder com serenidade. Com empenho. Com um aceno de vigilância reforçada. E podemos acreditar que este novo tipo de terrorismo virá um dia a ser derrotado, menos por via dos recursos bélicos clássicos e mais pelo mérito cumulativo da inteligência, da moralização democrática e da concertação positiva entre governos.