domingo, 28 de março de 2004

Cidadanias da tanga



Imagine-se que o director nacional do IPPAR, em pessoa, tentava impedir a demolição parcial de uma casa que foi Prémio Valmor (na Av. 5 de Outubro, em Lisboa). É uma situação que em qualquer país civilizado era, no mínimo, para rir à gargalhada durante sete dias e sete noites. Por cá é normal.
Imagine-se que, entre as Amoreiras e a Estrela, um conhecido ministro de eras passadas construía uma gaiola de betão em andar de edifício centenário (com estrutura original de outra natureza). Ex-ministro, ou não, é uma situação que em qualquer país civilizado era, no mínimo, para rir à gargalhada durante oito dias e oito noites.
Imagine-se que uma imobiliária que arrenda andares na Graça dá a ler aos futuros inquilinos um contrato labiríntico e legalmente detalhadíssimo (cheio de direitos e de deveres) e, depois, pela calada e com boca pequena, avisa que o “senhorio não quer recibos verdes, porque não está para declarar a coisa às finanças”. Os futuros inquilinos mostram-se indignados e a representante do senhorio conclui: “Isto é uma situação banal. Só três ou quatro dos nossos clientes é que querem coisas legais”. É uma situação que em qualquer país civilizado era, no mínimo, para rir à gargalhada durante nove dias e nove noites.
Tudo fenómenos que se cruzaram, directa ou indirectamente, com o destino miniscente.
Este demolidor excelentíssimo, este ex-ministro exuberante e esta eminência de senhorio são figurões-tipo da alma lusa, entre muitos, muitos, muitos outros. Caricaturas assanhadas da esperteza lusíada. Gritam que o país anda de tanga e, depois, esquecem a mais pequena exigência que seria de esperar da cidadania patrimonial e fiscal. Fingem-se escandalizados com o novo-riquismo vadio e depois portam-se como cisnes parolos e selvagens.
Verdade, verdadinha. E até nem sou nenhum purista. Mas a vontade que eu tenho, às vezes, de me pirar daqui.