sábado, 7 de fevereiro de 2004

Ossos e Oceanos



Acabei de ver a criação homónima do Rui Horta. A disputa dos fragmentos. Um jogo contínuo entre o homem e o cão como modo de superar as previsibilidades da comunicação entre pares. Um oceano que se descobre "out there", no momento em que o protagonista ultrapassa o delimitado espaço antes proposto para a cena. Um emaranhado discorrer acerca do fogo que pode arder através da liquidez (ou o modo como um pico de rosa arde na pele de um homem que, ao jeito de Rilke, entrevê na liquidez do sangue um modelo de narração envenenado). Ou ainda, o movimento assente numa ironia poética que vê na brusquidão uma força motriz. Mas uma força motriz sobretudo habitada pela avidez do gesto e pela súbita moldagem do corpo a uma urgência inapelável. Gosto deste discurso que não teme a arte do tosco e que sabe cruzar-se com a elegância e com um certo sarcasmo. Gosto de sentir que há algum mal estar na assistência e, ao mesmo tempo, um arrepio de beleza que não tem figura possível para se exprimir.