Tragédia de um esquecimento
Lembra o blogue Rua da Judiaria que, em 2004, se celebram 350 anos "sobre a chegada dos primeiros emigrantes judeus à colónia holandesa de Nova Amsterdão, na ilha de Manhattan (actual Nova Iorque)". Tratou-se, na altura, de um contingente de 23 emigrantes judeus fugidos à Inquisição do Recife, no Brasil. De facto, um certo mutismo português adora esquecer os labirintos judaicos de Amesterdão, de Antuérpia, de Istambul ou do Recife que, afinal, lhe saíram da sua própria carne. Por que razão será muda a história oficial portuguesa acerca da implosão judaica de finais de século XV e inícios do século XVI?
Independentemente de tal mudez, a verdade é que não há português que não traga consigo um pouco de Israel e, no entanto, parece disfarçá-lo com uma leviana saudade da escuridão, com uma timidez pessoana e quase mitológica, com uma ignorância tétrica e, às vezes, com uma apaixonada tentação pela erradicação memorial (tantas vezes pressionada pelos fluxos ideológicos de conjuntura).
É como se, na frente de um Portugal marmóreo e cristalizado, apenas ficasse o mar e as suas lendas a sós, apenas ficasse a imagem passada de um século de ouro, apenas ficasse a euforia das Europálias, das Expos, das Décimas sétimas, das N Capitais da cultura e das várias Exposições do mundo português. É como se, em todas estas cenografias da exaltação lusa, nada sobrasse do vestígio da alma judaica arrancada à nossa própria alma. Que auto-imagem celebrará tal amputação, ou tal compaixão desprovida de rosto?
Saúde-se, pois, Miguel Real, e as suas recentíssimas Memórias de Branca Dias (Temas e Debates).