segunda-feira, 5 de janeiro de 2004

Optimismos

A crença de que vivemos no melhor dos mundos é uma crença plausível apenas e tão-só quando o homem não acredita que é ele que tem de facto o leme na mão (cf. Leibniz ou os Mu´tazilitas de Bássora do Séc. IX). Quando todos sabemos que, de certo modo, o tem, ou que, pelo menos, o partilha com diversíssimas circunstâncias, é normal que políticos e bispos, uns e outros investidos no altar que ainda sobra do dever, apareçam a prenunciar a certeza de um mundo ideal e melhor, ou mesmo a aconselhar o dissimulado fruto do optimismo. É a habitual vaga fática de início de ano, de Páscoa, de dez de Junho, de vinte e cinco de Abril, de Natal, de um de Novembro e de outras pontes que oscilam entre a comemoração festiva ou vazia e o milagre da multiplicação da função pública. Somos um povo em que alguns dos seus escritores ainda sonham com o funcionalismo subvencionado e em que o estado é o mais antigo deus paternal que foi um dia incumbido de tratar das azias colectivas, as dos árbitros, as dos penalties ungidos pelo óleo do santo espírito e todas, todas as outras, as mais importantes. Claro. Com um tal estado e uma tal teodiceia terrena e natural, não há pessimismo que resista. Nem mesmo quando a crise e a sensação de desistência generalizada são o dia a dia do nosso grotesco mas gostoso bacalhau à Gomes Sá.