Quase Natal - 2
Luzes ao longe e o perfil esfumado da encosta por onde descem carros muito lentamente. São as ruas despovoadas depois da euforia. Fios eléctricos que acendem e apagam no meio da voragem agora suspensa. São músicas com sabor a açafrão doce. Manequins em ritmo diáfano e o fumo das castanhas ao fundo do túnel. E, no meio deste alinhamento de montras e cabines telefónicas vazias, há sempre uma motorizada a rodopiar nas margens do silêncio. Fantasmas de barrete vermelho, barbas de esferovite e néons em forma estrelada. É natal e, talvez por isso, a memória entregue a si própria a máscara que lhe confere surpresas. E é então que o lume se acende e atinge as nuvens mais altas. São imagens distantes, perfeitas, ateadas pela dádiva, ou pelo encantamento sem razão. E, mesmo assim, vivas. Vivas e presentes como o imenso limoeiro ao fundo do quintal.
É aproveitar para suspender o quotidiano e pensar. Pensar sem objecto, Sem finalidade. Até amanhã.