O aproveitamento da rede
Na simpática resposta que a Bomba ontem me dirigiu, diz-se a certa altura que "a blogosfera pode ser mais bem aproveitada por pessoas que não estão interessadas em revelarem nada delas próprias, mesmo quando assinam com o nome completo, ou por escritores que pretendem experimentar novas coreografias".
Sobre este último ponto, cem por cento de acordo, mas apenas numa dimensão experimental (draft for drafts). De resto, creio que as coreografias tradicionais, no caso da literatura, não se irão facilmente deslocar dos seus centros quase inevitáveis. Mesmo que, a pouco e pouco, a literatura deixe de se subsumir a grandes códigos - o que tem sido hábito nos dois últimos séculos - e se individualize mais radicalmente na sua própria e livre ficcionalidade, não penso que abandone os suportes que a constituíram (e constituem). Ou seja, escrever um texto estético para um livro vai continuar a ser um desejo do escritor e do seu auditório por muito bom tempo.
Sobre o primeiro ponto, penso que "o revelar-se algo de si próprio" é sempre a tarefa da linguagem, até porque ela não se quer apenas instrumental, mas antes e sobretudo construtora de mundos (foi isto que os Turns da segunda metade do século XX nos ensinaram). Esses mundos são complexos (são como as "opiniões", ou como o "quem" que as profere), mas remetem sempre, ainda que na sua fluidez mais impenetrável, para quem os enuncia. A auto-referencialidade, ou a esteticização da nossa interpretação, tende muitas vezes a sobrepor-se à ilusão de referentes físicos, claros e seguros. É por isso que, na capilaridade múltipla e rica da rede, o jogo do que se diz (e do que não se diz) se amalgama de um modo muito mais criativo do que no tradicional fechamento off-line.
Como se vê, dentro do meu leque de cepticismos, continuo algo optimista.