sábado, 20 de dezembro de 2003

Da cultura


MIM, Buenos Aires

Havia uma exaltação centrada e musculada na política cultural à António Ferro, aliás na linha das políticas culturais soviéticas. Com menos dose de propaganda, porque assentes já numa matriz democrática, as políticas de Malraux continuaram, no entanto, apostadas no fechamento, agora em torno da figura dos centros culturais e do seu culto irradiador (como se a arte fosse a nova expressão de um deus inelutavelmente perdido).
O que sobrará a estes espectros que chegam até nós, hoje em dia?
Porventura, a ideia (recente) de património, físico e imaginário, bem como o estímulo descentrado, democrático e transversal à criação contemporânea e aos seus públicos variados.
Estou em crer que as actividades que se designam dentro do chamado espaço cultural, na escala de uma economia em que o deve e o haver deverá exceder a noção de saldo, estão inevitavelmente dependentes, como muitas outras, de orçamentos, privados e públicos, que lhes são alheios.
Seja como for, é um facto que a actual esteticização do mundo comunicacional (na publicidade, no design, no cibermundo, na auto-referencialidade dos média, etc.) convive com uma mediania global cada vez mais distante de uma ideia de exaltação musculada. Neste cenário de fluxos, o espaço da cultura deixou de estar preso às delimitações e fronteiras que o tornavam visível e existente no século XX.
Muito do discurso actual sobre a cultura continua a misturar o(s) pano(s) de fundo do século passado com a pura descrição descentrada das actividades designadas como culturais, tais como elas hoje se processam e se tornam visíveis (sem as contextualizar devidamente).
Esta desvio óptico, ou esta falha de perspectiva, está na origem de muita errância discursiva sobre o tema da cultura.