Fecundação
Nos últimos dias, tenho estado a confrontar-me com uma série de personagens que, passo a passo, me têm vindo a aparecer no papel. Mas são personagens ainda fora de qualquer acção. Vivem sem espaço ficcional próprio e apenas se resumem a alguma mobilidade interior e exterior, a um ou outro aceno do que virá a ser o seu caminho e a meros estigmas e tendências do que poderá vir a ser a sua linguagem. A sua voz. Olho para elas e fico à espera de vozes que se manifestem. No fundo, é como se eu lhes dissesse em surdina - talk to me, talk to me!
Vejo-as a delinearem figuras, mas sei que não passam ainda de modelos ou escorços muito abstractos, sem aquela vida própria que, um dia mais tarde, poderá vir a receber todo o fulgor de um destino autonomamente talhado. Por ora, contemplo e limito-me a sentir uma espécie de receio, de compaixão sem corpo, de angústia sem dor.
É como se a montanha se erguesse, sem que eu pudesse sequer ver-lhe os contornos e os picos reflectidos num céu ainda por desenhar. Uma montanha cénica e projectada nas sombras informes de que afinal é feita a sua rocha. Informe, mas fértil.