sexta-feira, 25 de maio de 2007

Blogues e Meteoros - 32

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(Crónica publicada desde ontem no Expresso Online)
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O Triunfo do Design - II
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A presença do design na nossa vida está a tornar-se na consecução da última utopia do século passado: fazer do presente um território habitável.
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E o facto é que hoje vivemos definitivamente afastados do tempo em que tudo se investia a pensar num futuro perfeito, mas sempre adiado. Ou seja: hoje vivemos sobretudo imersos na quadratura infinita da rede e num limbo aberto onde confluem, cada vez mais, o público e o privado, a ficção e o real, o excesso de informação e o delírio global (é assim nos reality shows, nos media, nas metáforas políticas ou na publicidade). E tudo nos chega alinhado, recortado e enunciado pela mão (às vezes paradoxalmente invisível) do design: os jornais que lemos, os passeios que atravessamos, os sites que visitamos, os copos por onde bebemos, as viaturas que guiamos, as camisas que vestimos, os telemóveis onde segredamos, as torneiras que abrimos, os ciberjogos que sonhamos ou as janelas que fechamos.
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Nada parece, pois, escapar a um mundo de figuras e formas que, para além de garantir a eficácia e o bem-estar, também nos conta histórias ou efabula em voz baixa (como faziam os mitos da Antiguidade). Neste palco do dia a dia, o design deixou de ser apenas um revestimento: o que ele agora nos promete é o milagre da transformação do mundo físico envolvente numa imensa aura onde o nosso corpo acabará por rever-se, como nunca aconteceu em toda a história humana. É como se o design se estivesse a converter, diante de todos nós, no primeiro hardware que é, ao mesmo tempo, um puro e ilimitado software.
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O que antes, ao longo da recente história moderna e industrial, se limitava a ser uma simples companhia instrumental do presente, está hoje a constituir-se como um modo de o homem se cumprir, se realizar e, de algum modo, passe a alegoria, se salvar.
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Esta quase ritualização dos objectos culturais que nos ordenam a vida e o sentido – à partida apenas ferramentas práticas e funcionais – é menos uma novidade e mais um reencontro. Lembremo-nos, por exemplo, dos báculos que apareciam inscritos em monumentos megalíticos e que, no seu tempo, eram, indiferenciadamente, objectos de culto e objectos de elementar pastoreio. Esta mistura já há muito que nos povoava a memória, mas hoje volta a correr-nos no sangue de um outro modo. Possivelmente como um navio sem velas nem mastros que decidiu submeter-se a uma súbita e fascinante ordem dos ventos.
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O caos respira onde não há imagens que lhe dêem sentido. Quando se criam imagens, a voragem tranquiliza-se. Era assim com Heraclito, em Éfeso, e é assim hoje por todo o lado. Pela mão do design. A nova mão de Deus, depois de Maradona.
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P.S. — Na última crónica, anunciei uma visita guiada aos blogues que se dedicam ao design. Esse texto já está escrito, mas submeterei a sua publicação – e eventual desenvolvimento – à espontaneidade com que a presente série se for desenvolvendo.