quarta-feira, 13 de dezembro de 2006

Pré-publicações - 8

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Jacques Rancière, O Ódio à Democracia, Mareantes Editora, Lisboa, Dezembro de 2006, pp. 164, P.V.P.: 14,80 €. Apresentação de Diogo Pires Aurélio.
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Pré-publicação:
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"Ponhamos as coisas na ordem. Que queremos di­zer precisamente quando dizemos viver em de­mo­cra­cia? Entendida de forma estrita, a democracia não é uma forma de estado. Está aquém e além des­­­sas for­mas. Aquém, como o fundamento igua­li­tário ne­ces­­­sário e necessariamente esquecido do Estado oli­­gár­­quico. Além, como a actividade públi­­­ca que contraria a tendência de qual­quer Estado a açam­­­barcar a esfera comum e a des­po­litizar. Todo o Estado é oligárquico. O teórico da oposição entre de­mo­cracia e totalitarismo admi­te de boa vontade: «Não se pode conceber um regime que, em algum sentido, não seja oligár­quico.»[1] Mas a oligarquia dá mais ou menos lugar à democracia, ela é mais ou menos cor­roída pela sua actividade. Neste sentido, as formas cons­­ti­tu­cionais e as práticas dos governos oligárqui­cos po­dem dizer-se mais ou menos democráticos. A exis­tência de um sistema representativo é tomada habi­­tualmente como critério pertinente de demo­cra­cia. Mas este sistema é ele próprio um com­pro­misso instável, uma resultante de forças contrárias. Tende para a democracia na medida em que se aproxima do poder de não importa quem. Deste ponto de vista, podem-se enumerar as regras definindo o míni­mo que permite a um sistema representativo decla­rar-se democrático: mandatos eleitorais cur­tos, não acu­muláveis, não renováveis; monopó­lio dos repre­sen­tantes sobre a elaboração das leis; in­ter­­dição dos funcionários do Estado serem representantes do po­vo; redução ao mínimo das cam­pa­­­­nhas e das despe­­­sas de campanha e controlo da ingerência das potên­cias económicas nos pro­ces­­sos eleitorais. Tais regras não têm nada de ex­travagante e no passado, muitos pensadores ou legisladores, pouco dados ao amor im­prudente pelo povo, examinaram-nos com atenção como meios de assegurar o equilíbrio dos poderes, de dissociar a representação da vontade geral da dos interesses particulares e evitar o que eles considera­vam como o pior dos governos: o governo dos que amam o po­der e são hábeis em apossar-se dele. Hoje, todavia, basta enumerá-los para suscitar a hilarie­da­de. Justamente: o que designamos por dem­o­cracia é um funcionamento estatal e gover­namental exac­tamente inverso: eternos eleitos, acumulando ou alternando funções municipais, re­gionais, legisla­ti­vas ou ministeriais e agarrados à população pelo elo essencial da representação dos interesses locais; go­ver­nos que fazem eles próprios as leis, representan­tes do povo saídos massiva­mente de uma escola de administração; ministros ou colaboradores de minis­tros recolocados em em­presas públicas ou semi-pú­blicas; partidos finan­ciados pela fraude dos merca­dos públicos; homens de negócios que investem so­mas colossais em busca dum mandato eleitoral; pa­trões de impérios mediáticos privados apossando-se, através das suas funções públicas, do império dos me­dias públicos. Em resumo: a apropriação da coi­sa públicafunçrvrallossais na busca s mercados ppr e evitar o que eles consideravam como o pior dos governos: o governo dos qupor uma por uma sólida aliança da oligarquia esta­tal com a oligarquia económica. Compreende-se que os de­pre­ciadores do «individualismo democrá­ti­co» não tenham nada a censurar a este sistema de predação da coisa e do bem públicos. De facto, estas formas de sobreconsumo dos empregos públicos não relevam a democracia. Os males de que sofrem as nossas «democracias» são principal­mente os males ligados ao insaciável apetite dos oligarcas."
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[1] Raymond Aron, Démocracie et totalitarisme, Gallimard «Idées», 1965, p. 134.
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Actualização das editoras que integram o projecto de pré-publicações do Miniscente: A Esfera das Letras, Antígona, Ariadne, Bizâncio, Campo das Letras, Colibri, Guerra e Paz, Magna Editora, Mareantes, Publicações Europa-América, Quasi, Presença e Vercial.