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Trocar o acidente pelo corpo
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Em finais de 2002, respirava-se ainda um eco muito próximo do 11 de Setembro. No entanto, a questão iraquiana surgia aos olhos de todos como uma discussão em torno de um aspecto específico: as armas de destruição em massa.
Quer os protagonistas, quer os antagonistas do que viria a ser a guerra de 2003 no Iraque, quer a própria discussão que coexistiu e sobretudo sucedeu à guerra, se baseavam nesse trilho retórico. E a verdade é que toda a gente sabia, independentemente dos posicionamentos, que não era esse o aspecto que estava em causa, mas sim o tipo de respostas a dar após a fractura de tipo novo que fora o 09/11. Ainda hoje esta troca do acidente pelo corpo do problema se encontra em plena validade.
Tenho-me muitas vezes interrogado acerca das razões paradoxais que levam o principal facto dos últimos anos a ser debatido deste modo. Mas este género de artifício não é apenas um exclusivo dos eventos de impacto mundial. Tomemos o recente congresso do PS. No discurso de abertura, Sócrates preferiu trocar o principal corpo de questões da governação pelo exótico e acidental par esquerda-direita, como se este fosse o aspecto mais relevante do último ano e meio em Portugal. E o mais curioso é que todos os interlocutores, comentadores, protagonistas e antagonistas dessa peça de teatro num só acto se conformaram com o debate em torno da poeirenta balança esquerda-direita.
Como se vê, as analogias falam por si. Parece, pois, estar na moda um entendimento da significação que privilegia o acidente – à moda dos impressionistas – àquilo que é a realidade mais complexa e envolvente que o detona e sugere. A blogosfera também não se exime a esta tendência. Se tomarmos atenção ao grosso das discussões em torno do novo universo dos blogues (fundamentalmente desde 2003), verificamos que é a insistente relação com os media que parece estar sempre em causa. Como se essa (relação) reflectisse a imagem objectiva do novo corpo que vigorosamente entrou em cena na arena comunicacional. Mais uma falácia, mais um acidente. E, mais uma vez, um acidente acatado por todos de bom grado – protagonistas, antagonistas, etc. – na larga maioria das polémicas e debates.
O fundo da questão, no caso blogues-media, advém de uma convicção generalizada que atribui aos media o único modo de repor quotidianamente o real. Basta inquirir os jornalistas que são convidados a dar aulas nas universidades em cursos de Ciências da Comunicação para ver o modo como a maioria identifica a (relativa) complexidade deste saber com o que designam por “jornalismo”. Esta ingenuidade estelar está muito difundida e vive da pressuposição de que não existem outras mediações no espaço público, a não ser os media tradicionais que nos vão dando, no dia a dia, uma ideia desse caudal imprevisto e cruzado que é a realidade. Como se o oceano global da comunicação, como se os actuais interfaces da informação, como se o próprio agenciamento do sentido passassem apenas por esse tipo de filtro (já lá vai o tempo em que uma única narrativa dominava o mundo!).
Nos dias que correm, os blogues estão a reatar e a reinventar antigos géneros, ao mesmo tempo que estão a criar novas ordens e léxicos para as suas variadíssimas escritas em rede. Reflectir sobre esta nova realidade, tendo apenas como referência os media, é um vício tão grande como discutir a questão iraquiana a partir das armas de destruição em massa ou o governo de Sócrates a partir de binarismos escolásticos. É possível que o nosso tempo tenha voltado a abraçar a superfície acidental das cores, o carácter impressivo dos contrastes e a flutuação incerta dos olhares. Mas, por amor de Deus, não esqueçamos o corpo!
Quer os protagonistas, quer os antagonistas do que viria a ser a guerra de 2003 no Iraque, quer a própria discussão que coexistiu e sobretudo sucedeu à guerra, se baseavam nesse trilho retórico. E a verdade é que toda a gente sabia, independentemente dos posicionamentos, que não era esse o aspecto que estava em causa, mas sim o tipo de respostas a dar após a fractura de tipo novo que fora o 09/11. Ainda hoje esta troca do acidente pelo corpo do problema se encontra em plena validade.
Tenho-me muitas vezes interrogado acerca das razões paradoxais que levam o principal facto dos últimos anos a ser debatido deste modo. Mas este género de artifício não é apenas um exclusivo dos eventos de impacto mundial. Tomemos o recente congresso do PS. No discurso de abertura, Sócrates preferiu trocar o principal corpo de questões da governação pelo exótico e acidental par esquerda-direita, como se este fosse o aspecto mais relevante do último ano e meio em Portugal. E o mais curioso é que todos os interlocutores, comentadores, protagonistas e antagonistas dessa peça de teatro num só acto se conformaram com o debate em torno da poeirenta balança esquerda-direita.
Como se vê, as analogias falam por si. Parece, pois, estar na moda um entendimento da significação que privilegia o acidente – à moda dos impressionistas – àquilo que é a realidade mais complexa e envolvente que o detona e sugere. A blogosfera também não se exime a esta tendência. Se tomarmos atenção ao grosso das discussões em torno do novo universo dos blogues (fundamentalmente desde 2003), verificamos que é a insistente relação com os media que parece estar sempre em causa. Como se essa (relação) reflectisse a imagem objectiva do novo corpo que vigorosamente entrou em cena na arena comunicacional. Mais uma falácia, mais um acidente. E, mais uma vez, um acidente acatado por todos de bom grado – protagonistas, antagonistas, etc. – na larga maioria das polémicas e debates.
O fundo da questão, no caso blogues-media, advém de uma convicção generalizada que atribui aos media o único modo de repor quotidianamente o real. Basta inquirir os jornalistas que são convidados a dar aulas nas universidades em cursos de Ciências da Comunicação para ver o modo como a maioria identifica a (relativa) complexidade deste saber com o que designam por “jornalismo”. Esta ingenuidade estelar está muito difundida e vive da pressuposição de que não existem outras mediações no espaço público, a não ser os media tradicionais que nos vão dando, no dia a dia, uma ideia desse caudal imprevisto e cruzado que é a realidade. Como se o oceano global da comunicação, como se os actuais interfaces da informação, como se o próprio agenciamento do sentido passassem apenas por esse tipo de filtro (já lá vai o tempo em que uma única narrativa dominava o mundo!).
Nos dias que correm, os blogues estão a reatar e a reinventar antigos géneros, ao mesmo tempo que estão a criar novas ordens e léxicos para as suas variadíssimas escritas em rede. Reflectir sobre esta nova realidade, tendo apenas como referência os media, é um vício tão grande como discutir a questão iraquiana a partir das armas de destruição em massa ou o governo de Sócrates a partir de binarismos escolásticos. É possível que o nosso tempo tenha voltado a abraçar a superfície acidental das cores, o carácter impressivo dos contrastes e a flutuação incerta dos olhares. Mas, por amor de Deus, não esqueçamos o corpo!