terça-feira, 16 de maio de 2006

O medo do "nada" - 1

Queneau
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Para Maria Zambrano, o “nada” foi a última aparição do sagrado. Um fantasma sem rosto. E há indícios de que tenha sido assim:
1) Dias antes da chegada de Gauguin, Van Gogh, a propósito de um estudo que estava a realizar no interior do seu quarto, escreveu: "Diverte-me extraordinariamente o trabalho de tirar do nada esse interior, com uma simplicidade digna de Seurat" (Arles, Outono de 1888).
2) Mallarmé não ficou atrás nesta saga: "Rien, Cette écume. Vierge vers/ A ne désigner que la coupe": ("Nada, Esta espuma. Verso virgem/ que não designa senão o corte"). Eis o nada: mais espuma e fantasma, do que corte preciso e rigoroso.
3) Unamuno, um dia, também acabou por perguntar: “Progresar, para qué ?” E concluiu: "la famosa maladie du siècle, que se anuncia en Rousseau"(...)" no era ni es outra cosa que la pérdida de la fe en la inmortalidad del alma, en la finalidad humana del Universo. Su símbolo, su verdadero símbolo, es un ente de ficción, el Doctor Fausto”. Ouçamo-lo: “Mefistófeles- Acabou-se! Palavra sem sentido!/ Acabou-se porquê? acabou e nada/ É tudo a mesma cousa! Então que vale/ A eterna criação? Cousas criadas/ Ao nada reduzir ! (…)”
4) Na Mensagem, Pessoa identifica o mito com um "nada que é tudo".
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P.S. -1- Ao Googlar, também se encontra - entre outras - a interessante frase de Queneau: "Il y des gens qui trouvent toujours quelque chose à ne rien dire".
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P.S. -2- Devo dizer que, devido às maravilhas do "nada", acabei por visitar de alto a baixo o Cocanha. Ainda que Zazie (talvez por andar sempre de metro) ache isto do "tom" uma parvoíce, a verdade é que o blogue passará a fazer parte das minhas visitas obrigatórias. Só não o escolhi já para o "Tonalidades & casos" por saber que não aprecia esta coisa de se falar da expressão dos blogues. Mas volto a sublinhar (e isto não é um piropo fácil): o Cocanha alia a leveza do leme ao bom gosto. É tudo.