quarta-feira, 10 de maio de 2006

Europa

e
Esperei para ver até ao fim do dia de ontem e afinal até nem me enganei. Isto é, há dez ou doze anos, se já existisse uma blogosfera activa, o dia da Europa teria sido alvo de consideração e debate. Estou certo de que a polémica, se tivesse existido, se teria entretido entre rasgos utópicos e anti-utópicos com mais densidade para os primeiros. Sobretudo porque a memória de então era ainda fresca e, por conseguinte, o contraste entre o que Portugal era sem Europa e o que passou a ser depois com Europa se respirava na altura de modo bem cristalino. Com a passagem do tempo, Portugal foi somando impotência atrás de impotência por não conseguir acompanhar o comboio europeu projectando a sua ira no edifício imaginário da própria Europa. Mais: a tentação dos eurocratas que reagiram à crise dos últimos anos fazendo sobrepor a cosmética à natural iniciativa e disposição dos membros (os constitucionalistas, por exemplo) também contribuiu para a indiferença com que a Europa é hoje pensada e sentida. Terceiro factor: num mundo em que as antinomias se diluíam aparentemente, o 09/11 acabou por trazer à superfície o que apenas parecia silenciado. A guerra anda, de facto, aí pelo mundo e certa Europa finge não vê-la. Pior: sonha a sua própria identidade contra aquilo que é, e sempre foi, o seu mundo mais filial e comum: as Américas. Portugal, o politicamente correcto e o outro, tem assim razões para olhar a Europa com aquele spleen que augura nuvens negras e paradas. O silêncio de ontem na blogosfera foi disso um fortíssimo sintoma.