segunda-feira, 9 de janeiro de 2006

Ver os outros fora de tempo

Nunca me lembro, pelo menos em Portugal, de se iniciar uma campanha eleitoral, havendo já a convicção clara e generalizada de que a votação devia ter ocorrido há umas semanas.
Tudo parece tornar-se claramente penoso nos candidatos, a partir desta Segunda-feira: a destroçada voz de Cavaco (muito dos que hoje o apoiam serão amanhã os primeiros a opor-se-lhe), a sobrançaria de Soares, as ocas solenidades de Alegre, a idade do ferro de Jerónimo e as saloiadas do Bloco. Nada disto passa por direita e esquerda, mas antes pela ambiguidade persistente e hipnótica de um centro que, para um lado ou para outro, é sempre asséptico e incolor por natureza.
Muito sinceramente, Sócrates continua a ser o mais lúcido e sarcástico protagonista de todo o leque político português: não só recupera da queda e da crise muito bem resguardado da algazarra inútil, como demonstra ter sido ele o primeiro a perceber, ao jeito de Cameron, que fazer ondas a mais em águas paradas é o pior dos lances da política contemporânea.
Ao contrário de Guterres e de Cavaco, Sócrates dirige o seu governo como um hábil narrador de histórias que dá a ver o que é óbvio, mas não do modo como a larguíssima maioria o poderia esperar. Ou seja, Sócrates tem mostrado como se joga a meio campo à moda de Mourinho, não escondendo nunca - como diz o povo - que o último a rir é sempre aquele que ri melhor.