domingo, 6 de novembro de 2005

Risível - 4

Jan van Steen
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O jogo de palavras pode exprimir o artifício, a cilada fina, o ardil ou a dimensão fática que pretende reter no mesmo edifício comunicacional, e a qualquer preço, o destinatário. Face à simulação de encarceramento, o riso pode traduzir, por isso mesmo, uma atitude de defesa ou de resistência intuitiva: o silêncio sem silêncio.
Contudo, existe uma estética do jogo de palavras que geralmente não conduz ao riso, mas antes a uma espécie de crescendo sensitivo e sinestésico, por via da sucessiva e imprevista cadeia sonora (a poesia simbolista, levada ao seu extremo, por exemplo). Aí o riso não tem sentido, pois a linguagem quer-se a sobrevoar os seus próprios referentes, coisa informe, diluída mas com intensa vida própria.
Por fim, poder-se-á admitir que o jogo de palavras conduz ao engano. Mas que engano? O engano que se confunde com uma simples e até desejada mudança face ao esperado, ou seja, um elementar lapso na expectativa? Poderá ser. Ou antes, e tão-só, o engano que consiste no súbito instante em que o pano se abre e se fecha, tal como acontece com a prestidigitação que nos sugere existir continuidade na sucessiva vida e morte dos ‘pixels’?
Muitas vezes, o engano é um engano que se impõe silenciosamente como regra, ou como uma simples intermitência sem fim. E aí já não há riso: há antes e apenas espasmo, emolduração do vazio, repetição oscilante. O Hip Hop, por exemplo, vive dessa repetição hiper-activa e é construído a partir de sons discretos, virtualizados, diferentes por si mesmos. Esses sons são especificidades indefinidas, claras identidades simuladas e criadas para serem puro efeito sem representarem seja o que for. Nada determina esses sons, ainda que baseados em sonoridades anteriores reconhecíveis, nem nada parece fazê-los caminhar em direcção a uma apoteose, ou a um clímax expressos. Aí já não há de facto riso motivado por um “jogo de palavras”.
O engano pode, pois, ser um mero desengano ou até uma forma de paródia já demasiado interiorizada. E o riso pode então ser um simples lapso e não tanto o fruto imediato de um engano, ou de uma súbita e inesperada quebra de estimativa.