quarta-feira, 20 de julho de 2005

Six Feet Under – 13 (número mágico e final)
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Foi, de facto, uma óptima partilha e uma experiência tão espontânea quanto comum. Durante doze semanas, o Luís (o proponente), a Charlotte, a Cláudia e eu mesmo (de forma mais permanente) transformámos o olhar sobre uma mesma realidade numa sequência de observações, de apontamentos e de registos soltos.
Sem darmos por isso, fomos construindo um texto. Deste laboratório há que tirar, para já, uma entre várias outras conclusões: a escrita blogosférica está a alterar o sentido tradicional da crítica.
Se lermos, por exemplo, o número 3 da revista “Apeadeiro” - dedicada à crítica (embora no registo literário: Quasi, 2003) -, verificamos que é praticamente comum, em todos os artigos do dossiê, uma tendência para o fechamento clássico que entende a crítica como um contraponto quase simétrico de uma obra primeira, ligado a ela através de uma lógica de vasos comunicantes. Este circuito de vias internas (obra-crítica-obra-crítica-etc.) é depois descrito formalmente, conforme os autores, como mediação entre enunciados, como simples jogo de recensões, como ligação orgânica entre quem se supõe estar a comunicar, como manifestação de um presumível eco ou aura da obra e, por fim - sem querer entrar nas polémicas do Verão de 2002 -, como julgamento ou avaliação, muitas vezes baseados na proximidade e até no afecto da pessoa do crítico face à obra criticada.
O que foi realmente diverso, na movimentação de textos que iam irradiando na nossa experiência de Six Feet Under, foi a recusa tácita em estabelecermos um circuito fechado que se deslocaria - como um pêndulo amestrado - entre a coisa vista e a coisa dita. O mundo das conotações, o jogo das manobras fragmentárias, a prática de elipses, o desafio da não sistematicidade, o diálogo não-linear que nos conduzia à retroactividade, ou seja, a regimes livres de troca, fizeram do nosso texto algo muito para além de um metatexto que placidamente adormeceria sobre a sua unívoca presa em análise.
Creio mesmo que, de modo não denunciado, esta experiência andou bastante próxima da hiperpoética contemporânea, já que viveu da expansão aberta de um mote (neste caso, de cada episódio de Six Feet Under), do presenciar avesso à conclusão orgânica e fechada, da persistente permuta interlocutiva e, sobretudo, da esteticização criada pela possibilidade sempre reproduzível do texto (crítico) que acabou por superar a delimitação dos mundos tradicionais que separam arte e não-arte, literatura e não-literatura (ou seja, um texto à procura de si e aspirando a um voo para além das tutelas e das máscaras modernas do mundo off-line).
Uma experiência a repetir.

P.S. - É curioso verificar que existem blogues que continuam ainda a escrever como se vivessem no mundo do papel, julgando - esquematicamente - que emissores e auditórios continuam posicionados como se a vida fosse um bipartido ringue de ténis. Recebem correspondência dos leitores como os jornais tradicionais, postam sobre a actualidade em registo de "tomar posição/ tirar partido" (à direita, à esquerda, ou noutros espectros mais maleáveis) e têm imenso receio da construção fragmentária do texto e do sentido. Não entendem que a rede vive de olhares e leituras que se submetem à diagonal e à pura passagem, não entendem que os locutórios aparecem e desaparecem a todo o momento como pixels excitados, nem entendem que o mundo on-line corresponde a uma dimensão autónoma e autotélica e não à imagem diagramática e fidelizada de um mundo que consideram afinal ser o da experiência, o referencial e o "sério".