quinta-feira, 19 de maio de 2005

O OLHO DO JAVALI
Folhetim em doze episódios
QUINTO EPISÓDIO
(A teimosia dos deuses)

(o folhetim voltará a ser publicado a partir de segunda-feira, dia 23/5)

Rui trocou a perna, sentiu os músculos a ronronar uma longínqua distensão, colocou a mão sob o queixo e reatou o já longo diálogo:

- Mas, como dizia, por que é que não partiu da cidade, durante esses dias que foram negros para si?
- Sabe, trabalhei no projecto, durante uns dez anos. E por mais que os obstáculos me batessem à porta, sempre disse para mim que um objectivo é sempre um objectivo a cumprir. E... como deve ter já entendido, eu sou muito teimosa. Posso ter muitos defeitos, mas sou perseverante.
- Nunca lhe passou pela cabeça abandonar o barco?
- Não.
- Nem mesmo, quando a tentaram acusar de mentir numa revista científica?
- Muito menos nessa altura. A verdade é que a vacina não interessava nada, mesmo nada, a muita gente bem instalada. Ia resolver muita coisa. Demasiadas coisas. E você nem imagina o que são os interesses instalados.
- Mas eles conseguiram o que queriam... não foi? Aproveitaram-se das suas descobertas e inventaram a nova vacina como se fosse a vacina criada por eles.
- Isto não vai acabar assim, pode crer. O mundo não acaba hoje, pode ter a certeza. E o último a rir é sempre o que ri melhor, asseguro-lhe. - E Maia a levantar os óculos escuros com a ponta do dedo, a unha comprida e em forma de quarto crescente, vermelha, sanguínea. Quase vítrea, a certeza, de tão inabalável.


Próximo Episódio: “Quando é que, afinal, o conheceu? - e Rui esboçou um calafrio, esqueceu involuntariamente o cotovelo no assento e pôs-se, depois, a pensar durante uma infinidade: - Foi ele quem me vendeu o carro. Foi só nessa altura que o conheci.”