segunda-feira, 9 de maio de 2005

The Big Turn
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Devia ter-se chamado "A viragem profética contemporânea". Mas a revisão de provas não vingou. Não se trata agora da queda de um anjo, mas a de um simples adjectivo (simples?).

Seja como for, este "agregado" já deve andar aí pelas livrarias (entre os outros 197 títulos que o Mil Folhas do passado sábado anunciou para este mês).

A propósito, o que haverá de comum entre:

A desproporção arquitectónica intencional visando realçar situações ou simulações de poder (caso do Empire State Building para Walter Chrysler e John Jakob Raskob e do Coliseu Romano para Vespasianus, Titus e de Domitianus);

Os textos proféticos anónimos, forjados e imputados a autores ímpares (S. Isidoro de Sevilha ou Carlos Magno);

A letra pragmática e furiosa de Sade (sobretudo em Les 120 journées de Sodomeou - L'École du Libertinage, 1785);

A ideia de beleza apolínea recusada por Nietzsche como pura ilusão formal e o consequente apelo ao dionisíaco;

A figura do escritor maldito da era moderna (Jean Genet, Bukowski, Rimbaud, Dickinson, Luís Pacheco, Artaud, etc.);

O sublime e o génio de Kant (ou o talento imaginado “para produzir aquilo para o qual não se pode fornecer nenhuma regra determinada”);

As narrativas alegóricas dos irmãos Limbourg, de Giovanni da Modena (séc. XV) e de Hieronymus Bosch (séc. XVI);

O cavalo na frente dos olhos admirados de Montezuma;

O inferno estético de Rosenkranz;

A crise interpretativa suscitada pelo ornitorrinco no início do século XIX (tão bem descrita por U. Eco em Kant e l´Ornitorinco - 1997 - como o "ornithorhynchus paradoxus" ou a “coisa incategorizável”);

O papel metafórico do demónio nos diversos “Livros” e tradições do mundo judaico, cristão e islâmico;

As denúncias da racionalidade da Sturm und Drang;

A irredutibilidade das vanguardas artísticas da era moderna (expressionismos vs. formalismos, realismos vs. tendências oníricas, conceptualismos vs. construtivismos, informalismos vs. concretismos, etc.);

A droga como estigma moderno por excelência (“droga, loucura, morte”: um cartaz publicitário como representação do fenómeno, em Portugal, no início dos anos setenta);

A afirmação do terrível e do mal na política moderna (nazismo, social-fascismo, fascismos), ou seja, o extermínio e a aniquilação como ênfase máxima de um programa;

A ideia de caos em J´accuse de Abel Gance e a sua catarse na denúncia da morte sem causa na Primeira Grande Guerra Mundial;

Os fantasmas que surgiram através da imaterialidade da photogenie fotográfica e dos espectros dos precursores cinematográficos (em Méliès e na chamada Escola de Brighton);

A imagem da sida em meados dos anos oitenta do século XX e a substituição da interpretação pela “interpretose”neste e noutros tipos de casos limite;

O caos descrito por Bruegel em A queda dos anjos rebeldes (1562).

Eu direi que é a presença do "segno", ou seja, da tradicional constatação de que existe sempre algo que escapa à ordem "natural" ou, num registo mais próximo de nós, "normal" das coisas. Mas quando este antiquíssimo conceito se esvai numa nova ordenação do mundo, o que sobrará sobre tal (terrível e ameaçadora) invisibilidade?

É esse o problema aflorado no livro, pelo menos na sua primeira parte.