sábado, 2 de abril de 2005

Breve olhar


Natività de Caravaggio, roubada em 1969 do Oratório de São Lourenço (Palermo)

Um céu vagamente pardo, a folhagem tímida, a breve epopeia das alfazemas tão anónima e solitária quanto bela.
A janela sem rosto, a roldana invisível sobre o poço, a roupa ao vento e a água muito lenta a marejar sobre quadrados minúsculos e azuis.
A relva cortada do outro lado dos jarros bailarinos, os rebentos da macieira a cobiçarem a copa composta onde se escondem futuras ameixas e ainda, na intimidade, os gladíolos muito esforçados, um a um, em luta contra os ossos que o cão Ulisses vai enterrando no canteiro.
E há ainda a respiração dos amores perfeitos para além das jardineiras, do maracujá moribundo, do tédio das pinhas e das buganvílias que visitaram, um dia, uma das grutas avermelhadas de Caravaggio.