sábado, 26 de fevereiro de 2005

UM AMOR CATALÃO
Folhetim à moda clássica
PRIMEIRO EPISÓDIO
(Edmundo e Albe nas estrelas)

Nada iria ficar como dantes, confessaram as estrelas. E era verdade.
O mundo desfez-se subitamente em delírio e a própria hora do pequeno almoço já quase fazia esquecer a catadupa de luzes em que o hotel se havia transformado, durante toda a noite.
Tinham sido pirilampos, mosquitos e moscões e Edmundo sobre andas a caminhar, a imaginar edifícios, construções, ou o imenso mecano do universo, mas, sobretudo, o lugar incerto da varanda de Albe.
Qual seria ?
Que labirinto, que névoa, que sonho podia encobrir o vazio deixado por esse quarto, desde que atravessaste a piscina como uma sereia de ouro, Albe ? - e Edmundo a adivinhar na escuridão uma candeia gigante, os alicerces de um fauno de Tróia, ou o desmedido cavalo sobre rodas para penetrar na varanda, como se fosse Zorro e ela uma Julieta de rara fasquia para fado tão brusco.
E Albe lá estava, diante do espelho, nessa mesma noite de vagas suspensas pelo tempo, a vagabundear ao lado dos touros e pégasos da Camarga com a senha do amor a espalhar-se no sigilo, ou na elementar música com que o seu coração de pomba continua a bombear, com fugacidade, a retina próxima desse dia.
- Quem seria ele, afinal ? - e Albe, diante das sombras inúteis, depois de apagar a luz do quarto, a ver agora o movimento dos vultos desenhados no estuque do tecto e a pele a tumultuar-se sob lençóis muito finos e o calor da noite, sempre a mesma noite pródiga, a dizer em voz baixa o nome da lassidão, da magia, da resposta sem fim.
- Por que me olhou ele daquela maneira ? - e Albe diante da câmara incandescente da noite, as estrelas a preencherem esse vazio de cortinas abertas e os ralos e outros animais invulgares a calcorrearem o mesmo fado, de tão vivo.


(No episódio de amanhã, Edmundo aparecerá já de corpo inteiro. E, depois, o que irá realmente passar-se?)

Continua
(também a partir de hoje, versão matricial em Inglês no blogue Minion)