quinta-feira, 3 de fevereiro de 2005

Jogo - 4 (mostrar a vida privada?)

A imprensa cor de rosa “mostra” encenações que se destinam a evidenciar coisas, mas não a vida privada.
Existirá a “live life”, a não ser na imaginação de Duchamp?
O fim das mediações é talvez a única utopia contemporânea e é própria dos que crêem na “cyborgização” do mundo (o termo original é, creio eu, de Manfred Clynes), i.e., no pós-humano.
Nessa altura, o acto de “mostrar”, na acepção de pôr a nu todas as virtualidades, passará a ser um gesto redundante.
Sem sentido.
Só há sentido, quando é preciso traduzir aquilo que não pode, de modo nenhum, ser “mostrado” através de telepatia. Em ficções como The City and The Stars (Arthur Clark), em filmes como Robocop (Verhoeven), ou no conhecido manifesto de Donna Haraway (Manifesto for Cyborgs), o entendimento do sentido e do “mostrar” alteram-se profundamente.
A grande diferença é que, apesar dos delírios, o nosso tempo hipertecnológico é um tempo muitíssimo mais próximo (e contíguo muitas vezes) destas voragens do que Verne era, por exemplo, de um elementar motor de uma fábrica téxtil.
O grande paradoxo dos nosso dias é funcionarmos como se já não existissem mediações (como se tudo se visse, como se tudo se “mostrasse”), quando, no fundo, a “Darstellung” kantiana, o pôr em cena esquematizado ou simbólico, continua ainda a reger toda a nossa comunicabilidade. E toda a nossa capacidade de significar.
Daí tanta ambiguidade ilusória e sugestiva em torno do simples acto de “mostrar”.