sexta-feira, 15 de outubro de 2004

Apocalíptico

O meu amigo Fernando Cabeça acaba de me fazer eco, desde Amesterdão, de um dessas notícias apocalípticas que já se tornaram banais e esperadas nos nossos dias. Talvez, por isso mesmo, tenham tendência em transformar-se em não-notícia:

Nunca o planeta esteve tão poluído com “stikstofdioxide” (também não sei bem o que é) como hoje parece ser o caso dos céus holandeses. Quem o diz são as imagens do satélite europeu Envisat. O Secretário de Estado da tutela descreveu a situação como anormalmente grave. “Buitengewoon ernstig”, em Holandês.

E agora?
Também não tenho resposta. Seja com for, o “apocalíptico” define-se como uma visão. É esse aliás o seu significado mais incisivo e original. Mas trata-se de uma visão que nos leva a ver o que não está deste lado. O “apocalíptico” consistia, noutros tempos, em poder ver o trono de deus (essa literatura, de que o barroco danielítico foi um expoente muito especial, durou uns quatro séculos. Antes e depois de Cristo). Hoje em dia, o que nos resta desse ímpeto literário que procurava explicações para o desconcerto do mundo nessas visões magnânimas, únicas e transcendentes?
Creio que nos restam as imagens aceleradíssimas que nos são enviadas pelos satélites. Amanhã, quem sabe, com um pequeno implante no cérebro, poderemos, também nós, enviar imagens dessas para o outro lado da Via Láctea. Numa tal nova antropologia já cyborguizada, o que nos interessará a poluição dos céus?
O mesmo que nos interessa essa generosa notícia, Fernando. Dá à angústia uma leve sensação de frescura. Era isso, pelo menos, o que os carrascos diziam da guilhotina, na França de outros tempos. Uma leve sensação de frescura. Uma breve e ligeiríssima sensação de “stikstofdioxide”.