quarta-feira, 18 de agosto de 2004

Ficcionalidades de prata – 38

(Conversation Near the Statue, Manuel Alvarez Bravo,1933)

A polifonia é o talento que diz todos os frutos da árvore, ao mesmo tempo. E os frutos, por mais luminosos que sejam, podem ser silhueta, esquina, música, céu, edifício, palavra, escultura ou até a simples palma da mão que se abre no meio de uma praça para crer que o futuro é uma nascente sem fim. Há raras fotografias que são polifónicas, mas essas, devido a um engenho de proporções, sabem imprimir os seus frutos como se fossem vozes que germinam a partir dos objectos mais irrealizáveis. Há uma desconhecida seiva que atravessa as topografias emudecidas de Alvarez Bravo. Talvez advenha da disposição, do ordenamento, ou do modo subtil como o vazio do alicerce se submete à simultaneidade profética. Futuro realizável através de corpos e causas irrealizáveis. Um paradoxo feliz que aparece espelhado naquele diálogo de quatro de homens, ante o espantoso e surpreendente vazio do espaço. Preenchê-lo é uma arte da mais pura polifonia.