segunda-feira, 16 de agosto de 2004

Ficcionalidades de prata - 35


(The Ring Toss, Clarence H.White, 1899)

Muitas vezes a pintura partiu do corpo que não era o seu. Neste caso, Clarence H. White seguiu as pisadas de uma pintura de William M. Chase. E viu-se a comemorar o círculo quase fechado da penúltima passagem de século, num geniceu provincial do Ohio. O espaço é liso, luzidio, quase alaranjado e evoca uma emulsão deliberada, modelada, espessa. É sobre o repouso desse piso irreal que as meninas levam a cabo o seu rito intemporal. A iniciação traz a lume a própria chama e o que na sua desmedida devoração não passa de sigilo, recato e resguardo. Sob o abismo desafiado, o que desabrocha é a pureza do vestido, a harmonia dos folhos e a maciez da cintura rendada. Mas também o tesouro fechado do tempo que já absolve o desejo e a aventura, por ora com forma de anel ou de haste. E o demais é deslumbre, ímpeto ilusório e uma diagonal cheia de artifício. Seja como for, ao fundo, lá muito ao fundo, consigo ouvir o tilintar vocal das meninas a ressoar, a ressoar, ao mesmo tempo, e a disputar o excessivo júbilo contido.