sábado, 14 de agosto de 2004

Ficcionalidades de prata – 25


(Abstraction, Twin Lakes, Connecticut, Paul Strand, 1916)

Separar o que a lenta metamorfose da alma uniu. Rever as sombras a apascentar as nuvens da matéria, nesse planeta inglório onde se criam faces vizinhas e longínquas que se deparam com a surpresa. Ser arlequim abstracto, riso perdido à volta das mesas sem nexo e imaginar guindastes literalmente brancos sem horizonte onde se apoiassem. E depois rodopiar e pronunciar a palavra que voltasse a unir o que já não pode ser unido. Ouvir a alma a girar como se fosse a esfera celeste em movimento dúbio, mas permanente. Estrelas brilhantes, vozes simultâneas, luzes ovais e uma linha de força carregada e muito direita quase a intrometer-se nesse espectáculo nocturno. De onde viria? Strand chamou-lhe incúria, falta de providência, intenção sem carril, nómada sob sombras desprevenidas a atravessar o coração da estepe. Ou o coração da mesa circular, do planeta inglório, ou do riso que não cessa. A não ser que a fotografia diga o silêncio em vez de dizer apenas o vestígio.